É curioso como uma música nos encontra, no momento certo. Londres era um deserto cheio de gente, comigo a arrastar-me entre trabalho e programas culturais. A minha cara não fazia sentido, branca como cal, os olhos envidraçados e baços. Estar ali ou noutro sítio qualquer era-me indiferente, o piloto automático ligado num sorriso conveniente e vazio. Ainda não tínhamos esgotado os créditos, mas era uma questão de dias. Não via nada pelos meus óculos escuros de desilusão e descrença. Perguntei-me tantas vezes quando é que isso passaria, quando é que dormir não seria melhor do que estar acordada.
Os meses correram e Londres voltou a chegar até mim. Comigo a saborear o Hyde Park, a saltitar pelo metro e a ler os poemas nos cartazes. A trabalhar até os pés me chamarem nomes, a ansiar o almoço rotineiro em Camden. Os dias passaram ligeiros e assolou-me que já não me lembro muito de ti, que me passas em relâmpago pelos pensamentos e desapareces tão rápido como apareceste. Que no fim de contas, o que dói é a maneira e não o resultado. Sei que contavas que tivéssemos direito a mais uns episódios. Alguém como eu não ia desistir facilmente, ia contra a minha natureza obstinada. Deixei de te conhecer. E logo eu que pensava que também nunca ia mudar, menti. Naquele momento, percebi que se era isso que querias, era isso que te ia dar como sempre. Que já não ia aguentar dores que não nascessem em mim, que a miúda com bom humor e tendência a adoptar problemas alheios estava esgotada. Já não era uma miúda, mas uma velha caquética, que tinha de sair da cepa torta enquanto ainda não precisava de andarilho. Que ou corria ou morria. Mesmo agora sabendo que não o esperavas e que provavelmente te arrependeste, não importa. O tempo passou e trouxe-me revolta, amargura e depois sofreguidão. Trouxe-me pessoas que me tiraram da dormência (in)voluntária, que me esmurraram um pouco mais os joelhos e me mostraram o pequeno monstro que habita em mim. Como explicar(-me) o não gostar, o não ter em quem pensar no final de um dia? Tudo ramificações novas de mim. Mas tu tens finalmente o teu lugar, numa gaveta cada vez mais poeirenta. Não a abro muitas vezes, já não tenho necessidade de comtemplar as medalhas dos meus fracassos. Mas mais que tudo, quero que saibas que não te quero bem nem mal. Não te quero absolutamente nada e isso é algo que só pode acontecer quando não se deseja.
Não posso falar muito sobre o assunto do texto pois desconheço a sua história, mas penso que já to disse uma vez...quando escreves um livro?! Acredita que digo isto muito mais do que como apenas um elogio, tu tens mesmo uma vocação enorme para escrever. Nem todos têm esse talento e um talento assim tem de dar frutos!
ResponderEliminarBeijinho :)
J, isto fez assim 'bamm' na minha cabeça e no meu coração mais do que eu posso explicar.
ResponderEliminarFoca-te no bom e nas tuas conquistas... não vale a pena perder tempo a pensar nos falhanços. Esses ultrapassam-se.
ResponderEliminar" Não te quero absolutamente nada e isso é algo que só pode acontecer quando não se deseja." É por isso que te leio. Além de uma verdadeira enciclopédia com mais de muitos volumes de camelice, tu és uma gaja com conteúdo. Tipo, massa cefálica na caixa craniana. Tenho-te a dizer que só podes estar curada que eu foi assim que me vi livre das minhas dores. :)
ResponderEliminarAgora só te falta um Manuel mulher! Tinha de acrescentar isto. Não só porque é verdade mas também porque é divertido e a malta precisa de temperar o corpo. :p
ResponderEliminarAdorei o teu texto tão sentido. Ás vezes mais vale mesmo terminar algo que nos vai empobrecendo lentamente.
ResponderEliminarTudo de bom ;)
Joana, obrigado :) Considero um elogio porque não acho que tenha realmente talento para escrever, faço-o só para extravasar *
ResponderEliminarbecauseisaidso, é sinal que compreendeste o que por aqui anda. Que tenha sido um bom "bamm" *
S*, os fracassos já foram ultrapassados.
Nervosa, muito agradecida. Lá vou tendo um neurónio aqui e acolá. Quanto ao resto, era divertido mas talvez ainda seja trabalho a mais. Vou encostar às boxes e deixar-me estar no meu canto.
Gema, obrigado :)
Adorei o texto, o tempo ajuda sempre, temos é que ser pacientes e esperar. Mas a dor por vezes é mais forte do que isso.
ResponderEliminarAinda bem que esta cada vez mais poeirenta a caixa, lembro-me dos teus outros textos em que estavas mais embaixo, e agr, aserio que fico contente com este!
Parabens por te teres conseguido levantar, o importante é isso, és tu :)
beijinhos